samedi 26 septembre 2009

Uma filosofia de vida

por: Tania Montandon


Um grande foco de luz à esquerda
Intuição
Curvos caminhos a escolher
Tentação
Garras visuais às faíscas a jazer
Inspiração

Desprendendo o efêmero físico
De quaisquer necessidades de estímulos
Com toda a imagem inextinguível
Daquele insigne Bem sentido...
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mardi 1 septembre 2009

Destino traiçoeiro

Destino traiçoeiro

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Larissa era uma moça adorável, bem dotada, cuidadosamente educada, dum espírito delicado. Nascera numa pequena cidade do interior, de costumes conservadores e católicos enraizados. Sua vida era um romance inacabado. Viajava por todo o globo, dos lugares mais longínquos aos paraísos fictícios, debruçada nas inebriantes leituras de maiorais literatos. Não havia autor renomado que não tomasse conhecimento. Fez da leitura sua mais fiel companheira, ao experimentar através dela todas as emoções que se poderia nomear e também as inomináveis. Mas nem tudo era um mar de rosas. Muitos não compreendiam o que prendia por horas a fio uma moça jovem e bem-nutrida enfurnada em seu quarto. Ganhara o estigma de “melancólica burguesinha”, embora conseguisse conquistar com razoável facilidade a simpatia dos concidadãos. Todos tentavam, em vão, persuadi-la a se divertir com as outras garotas, a participar dos eventos esportivos, a curtir brincadeiras e momentos alegres.

Contudo a jovem não partilhava os interesses das colegas de escola, os quais considerava fúteis e superficiais. Também não se enturmava nos esportes, só participava quando era expressamente obrigada, sob pena de não poder continuar os estudos. Não possuía, de qualquer forma, habilidades atléticas. Usava óculos, estatura mediana, andar acanhado, movimentos por demais delicados e desastrados para pretender um mínimo rendimento em atividades físicas.

Era, sobretudo, uma visionária. Fantasiava seu mundo ideal, utopias românticas, seu brilhantismo extenuante. Não a atraía a realidade concreta. Gostava de caminhadas sem destino certo, observando o movimento da cidade como se estivesse muito distante dali. Por vezes parava e ficava escutando o canto dum passarinho, totalmente absorvida por ele, deixando sua mente leve divagando nos rodopios e voando para onde quer que fosse o passarinho... Em sua face, apenas permanecia uma excêntrica tranqüilidade e um semi-sorriso sutil. Seu interior era sempre um mistério.

Pressa, palpitações, balbúrdia de pensamentos invadiam sua calma mente todas as vezes que seu pai chegava com um presente fascinante, fosse um original de Virgínia Woolf, James Joyce ou Victor Hugo. Não lhe agradava as traduções. Aprendera a ler em francês, inglês e espanhol, embora nunca tivesse tido aulas de línguas. Sonhava tornar-se, um dia, escritora e, assim, talvez imortal em sua obra.

Porém, o destino não lhe fora tão gentil. Ainda na precoce idade de cinco anos, fora obrigada a presenciar a lenta consunção corporal que levou a alma de sua preciosa mãe. Desde então, o sorriso e o ânimo vital desaparecera do rosto de seu pai. No entanto, não se pode dizer que Larissa tenha tido uma criação infeliz. Sendo muito jovem e de coração um tanto versátil, não pareceu ser um terrível obstáculo transferir seu amor filial para a velha Naná, vetusta governanta da casa. Ali morava antes mesmo do nascimento de Larissa. O que seria dos Souza sem a velha e bondosa Naná?

Senhora dos cuidados caprichosos e essenciais do lar, não deixava nenhum desajuste cotidiano atrapalhar a harmonia do andamento doméstico da família. Naná não conhecera seus pais. Abandonada numa cesta de pão à porta da tradicional geração Souza precedente, foi ali que encontrou um aconchego e um trabalho decente, que gerou em sua alma o sentimento límpido de uma imensa gratidão, dando para se notar em sua inteira dedicação de corpo, suor e coração àquele lar e àquela família.

Larissa e Naná construíram ao longo dos anos um vínculo emocional e confidencial forte, conciliando afetos de natureza maternal aos de amizade fraternal. Essa relação foi imprescindível para o desenvolvimento físico e psicológico da jovem, já que não pôde contar com uma presença vivificadora e confortante da parte do pai. Este parecia deixar-se abismar cada vez mais em sua prisão pretérito-emocional. Nunca conseguiu se conformar à injusta perda de uma paixão tão honesta e recíproca à sua pura visão.

Seu Antônio tornou-se mais velho que o esperado para sua idade. Taciturno, ensimesmado, perdido na rotina cíclica e habitual inevitável para se manter vivo. Seguia seu ritual singular e discreto cheio de automatismos mundanos no dia a dia; comer, dormir, responder monossilabicamente a quaisquer perguntas, ir à missa todas as manhãs rezar para a alma de Isadora – que Deus a tenha e abençoe; assim como o sol nasce e desaparece a cada doze horas.

Ardente e voluptuosa sensação do êxtase exultado e incriado pela jovem mente de férteis ramos da cognição imaginária invade o sono daquela alma até então pura e infantilizada, seja por disciplina ou sua natureza insocializada.

- Larissa, abra esta porta agora e diga o que está acontecendo ou terei que chamar um de seus tios para quebrá-la. E tenha certeza de que nunca mais verá uma fechadura ao seu alcance enquanto morar nesta casa. São mais de nove horas e a diretora da escola já ligou três vezes. Vamos, não estou brincando, moça!

Abrir a porta, devo abrir a porta, não quero abrir a porta, vou abrir a porta, não posso abrir a p... AAhhhhhhhhhhhh!!! O buraco negro indescritível cobria-a da cabeça aos pés com estalidos parecidos aos daqueles fogos de festa junina, músculos remexiam-se com autonomia, pequeninos clarões finos e sempre adornados por cores fosforescentes vinham e iam, deixando aquela ardência intermitente entre as pálpebras e as camadas mais fundas e sensíveis dos olhos. A ubiqüidade do surdo som aterrorizante parecia ter energia infinita e onipotente, fazendo-se descartável e ridícula qualquer tentativa de controlá-lo.

Assim Larissa percebia a luta no interior de sua alma, semi-viva semi-morta, sentindo à exaustão quão vã seria uma iniciativa de representação mundana da nulidade contraposta ao poder daquele momento singular, desorientado e constrangedor em que foi jogada à sua revelia, subindo à mente parcelas de algum pensamento do tipo “este corpo é meu? Está vivo? O que é vida? Quem sou? Morri? O que é morte?”, porém sem nenhuma precisão ou clareza – tudo era cansaço imenso, como jamais vivido até em então.

Bam! O tio arrombou a porta e seus olhos, ao varrer o quarto, encontraram os olhos arregalados da menina que pareciam à iminência de pular para fora do rosto.


Tania Montandon

*publicado originalmente em: http://www.veropoema.net/